deixei meus olhos nadarem num pequeno pingo d'água, onde vi um vasto mundo que não tinha fim. parecia que todo o universo fora dividido em dois: o meu, e o dos outros. era tão simples, parei para olhar, pisquei várias vezes e nada.. era a mais pura realidade, nada de mentiras ou ilusões desérticas.
pois senti meu coração bater, que já não caminhava no mesmo ritmo lento e suave, mas sim num jazz impiedoso, como se a canção tivesse num ritmo para lá de medieval. uma máquina rugia e trabalhava dentro dele, com muito óleo sobrando, desgastada.. agora machucando, torturando.. impiedosamente. nada mais me importava no momento, muito menos as chuvas de rubis e ágatas que ali deviam cair [se não no meu mundo]. aqueles forasteiros pés, que escaparam já muitas vezes de momentos contundentes e necessários, já não faziam a mesma maratona. e o que falar, se não, das plumas enferrujadas? Pareciam pesadas, cansadas, atadas. o sábio nunca diz tudo o que pensa, mas pensa sempre tudo o que diz. naquele momento, porém, parecia que minha mente já não tinha o fluxo inesgotável de pensamentos plenos e ligeiros como antes. e, com meus olhos, olhava aquela imagem no pingo d’água. com toda essa degradação, meus olhos fechavam agora lentamente, com um olhar cansado, e de cabeça baixa, aceitava lentamente a situação, assim como as árvores tem que aceitar o nevoeiro e a perda de suas folhas.
porém, as flores renascem. as flores; já não mais eu. sentia o peso daquela física já me explicada mas nunca entendida rebater sobre mim – a gravidade – e, como já não tinha pernas sustentáveis, apoiei em minhas sombras. entendi que a física não é estudada e sim sentida, nada explica a naturalidade do mundo. mundo que, no meu, remoia e distorcia toda a realidade, jogando-a no maior abismo possível e torturando-a com aquela máquina fútil e desgastada dentro de meu ritmo medieval. seria também este o mundo das utopias e das idéias? sei que tempo não tinha, pois ele já corria mais que eu também. durante toda essa minha prosa, o tempo descruza e corre mais que um soneto clássico, e eu, mais uma vez, estava ali para trás, com minha última companhia. ela só não fora embora pelo simples fato de ser agregada em mim enternamente. ah, que os deuses sejam louvados, por mais que não sejam amados.. eu tinha uma companhia nessa minha solitária jornada.
sabemos o que somos, mas não sabemos o que poderemos ser. recuso a repetir, pois ali estava meu melhor companheiro e eu tinha confiança – a ultima restada, se não – de que ele sabia quem poderia ser. sábio é o ser humano que tem coragem de ir diante do espelho da sua alma para reconhecer seus erros e fracassos e utilizá-los para plantar as mais belas sementes no terreno de sua inteligência. queria ser um ser humano para entender direito sobre a inteligência, mas o que me resta é uma mente animalesca nada útil.
catei minhas rosas floridas caídas no chão, reconstitui uma ferida na minha asa e me virei. eu não procuro saber as respostas, procuro compreender as perguntas. era mais fácil aceitar viver na dúvida do que ter coragem de enfrentar o fim. ali fiquei até ouvir o último sopro da minha máquina medieval, que caíra assim como nero. meu castelo pegou fogo, propositalmente, e eu morri em minha utopia, não tão dançante quanto este último. aliás, estava morto há muito tempo, e fui-me caminhando com passos lentos até o dia em que as árvores já me prendiam, me sugavam, se alimentavam de mim, para que uma nova primavera nascesse.
as nuvens que estão ocupando, neste momento, o céu de sua alma vão passar. o sol, que às vezes se esconde por detrás das nuvens, não passa nunca.
se muito, foram duas rosas.