Era como se o ballet clássico tivesse virado uma valsa eterna. Passos semi-áridos e semi-arcos. Semi, somente semi. Nunca completos. Parecia somente metade, um integrante de um par. Sem sintonia. Como se somente agradasse gregos.
Mas não era culpa do enredo, mas sim, dela mesma. Aquela raposa amava dar importância à sua tão especial andorinha. Era tão linda quando sobrevoava o céu, voava alto, riam juntas... Aquelas asas tão claras, cortando o ar dramaticamente, deslizando como uma gota em uma folha desce ao encontro do chão. A raposa amava correr atrás da andorinha. Nunca a deixava pra trás.
Uma vez, não há muito tempo, a andorinha teimou em ficar encurralada no pequeno buraco da árvore num dia tempestuoso. A chuva caia muito forte, o céu estava totalmente pálido e cinza, e as gotas e água estavam tornando o ar úmido como o calor de um deserto. Era perigoso ficar ali, ainda mais naquela tempestade. Várias árvores caíam. Mas a raposa não deixou de incentivar a andorinha. Disse que não sairia dali caso a andorinha não saísse de sua toquinha. Disse, também, na linguagem do amor, que a andorinha tinha que criar coragem e partir para lugares melhores, dias melhores.
Com muito trabalho, a andorinha, timidamente, pôs-se em um galho, abriu as asas. Sentiu as gotas caindo em suas penas fracas - não de força, mas de medo. Mas estava tão certo quanto o erro de ser barco a motor e insistir em usar os remos. Então foi. Foram juntos. Foram lado a lado. Caminhando juntos.
"Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde às três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade!" - Dizia a raposa para a andorinha, e ambas riam juntas, felizes...
Mas também não há muito tempo, a andorinha resolveu fraquejar, temer dias melhores. A raposa não poderia fazer nada a não ser conquistar aquele breve e inigualável companheiro todos os dias. Todos os dias. Já que o contrato de amizade era eterno. De amor também. Até sabia o que as outras raposas pensavam dela. "Andar com uma andorinha"? E o mesmo perguntavam para a andorinha ("Andar com uma raposa?"). Era fácil criticar quando se está por fora, meros ignorantes da verdadeira amizade durante a nossa mínima e íntima vida na terra. Mas era algo que não abalava tanto. Até porquê a vida tinha significado somente com essa união diferente e especial.
Foi então que a tribo das andorinhas resolveram não mais deixar que as coisas fluíssem daquela maneira. Era visto que a diferença das espécies traumatizava o bando de andorinhas. Era claro que aquelas garras enormes da raposa, aquele olhar de predador e dentes tremeluzentes e bem afiados criavam um ar desgastante para qualquer outro animal. Mas não entendiam que aquilo tudo era somente uma máscara que a alma da raposa tinha; jamais teria coragem de machucar seu grande amor. Jamais queria algo de ruim para ele. E assim, decidido, a andorinha estava se tornando "semi" para a raposa. "Semi" amiga, "semi" amor, "semi" casal, sem-i. Sem i. Sem. E assim a raposa foi ficando sem forças, sem garras. Já estava afastada demais do seu bando para poder se proteger naquele imenso mundo. Já não via mais amores em seus iguais. Talvez seu mundo agora chamasse "andorinha", porém, foi tirado de si. Até continuou vendo a andorinha. Mas não era mais a mesma coisa. Ambos chateados estavam com aquela situação. "Não vou tentar, não vou insistir, não vou mais jogar, já me cansei. Meu desapego agora é meu sossego" insistia a raposa para seu coração, por mais que quisesse mudar aquela situação. Estavam longe demais. Já não eram os mesmos, e o tempo não tinha mudado. Era fácil entender o menosprezo por parte de ambos, uma vez que as asas não voavam mais e as patas não corriam mais atrás delas. O rastro no céu, daqueles dois animais, foi desaparecendo. A árvore do medo se transformou numa floresta, e a toca, num bando de andorinhas que impediam o voo da mesma. Aquele focinho bem simples e úmido da raposa foi esquecendo como era o cheiro da andorinha, e aqueles olhos de predador já ganhavam o mesmo tom nublado, pálido e cinza que o céu uma vez tivera. Mas a luz não saía mais da toca, com medo. Era tarde demais.
Não se sabe mais sobre a vida da andorinha. Sabe-se sobre a vida da raposa. Ela se encontra por aí, procurando nas florestas outras aves, outros animais, outras raposas... Mas nada é igual àquela que uma vez fora tirada de si. Afinal, ela era a sua única metade.
Toda felicidade é uma forma de inocência. Torna-se necessário (ainda que te escandalize) insistir na palavra felicidade, embora me pareça uma palavra miserável. Nada prova melhor a nossa miséria do que a importância que conferimos à felicidade. À nossas prioridades. E isso só se conquista lutando. Se não lutas, amigo, será eternamente uma andorinha sem sua raposa. Sem sua finalidade de vida. Sem sua outra metade, sua semi-metade. Serás Sem. Serás nada.

